29 de set. de 2011

Corrida Semi-nocturna

Era já de tardinha e o horizonte estava cor de laranja, esbatido pelo nevoeiro que se revelava fresco.
Lídia, escondida colocou o manto preto de cetim, que tinha comprado no mercado, esgueirou-se pelas escadas da torre e saiu pela porta das traseiras, colocou o capuz, não fosse o pai reconhece-la e impedi-la.
No meio do crepúsculo ela foi pelo prado de passos leves e silenciosos como a morte, chegando aos estábulos, surripiou uma sela, uma cabeçada e umas rédeas, carregou-as para uma cerca proxima onde haviam cavalos livres, assobiou uma combinação melódica e uma égua árabe revirou as orelhas e trotou até ela.
-Vamos correr, Gaia? - Perguntou Lídia à elegante égua loira, que tinha o nome da deusa da Terra.
Gaia respondeu-lhe positivamente levantando as orelhas e soprando pelas ventas.
Lídia afagou-lhe o focinho e colocou-lhe gentilmente a sela, a cabeçada e as rédeas que tinha roubado do celeiro, silenciosamente retirou-a de dentro das cercas e partiram as duas para uma corrida semi-nocturna.

26 de set. de 2011

-Foste tu que me tocaste?
-Não, achas?
-Parecias tu.
-Porque fui eu. Mas porque é que parecia eu?
-Não sei, é o teu modo de tocares nas pessoas.
-Eu acho que tenho uma maneira rude de tocar nas pessoas.
-Nada disso, não te sei explicar, é a tua maneira.

22 de set. de 2011

O monstro

 Ando a redescobrir o prazer em desenhar, desta vez não tanto pelo lazer da coisa, mas por pressão, por precisão, para impressionar o monstro do Desenho.
Não me importo de desenhar para ela, até gosto, desde que ela não esteja presente na sala onde estou a desenhar.
O monstro do desenho intimida, intimida porque gosta de se exibir, porque sabe que é bom no que faz, e nós, discípulos sabemos que só depois de muito tempo a tentar é que vamos conseguir fazer um pouco do que ela faz.
E se ela não gostar do que estamos a fazer, é esquecer, rasgar ou apagar e novamente recomeçar.
A linha torta tem de ficar direita, a folha preenchida e as proporções perfeitas, uma pega de chávena torta e estás morta.
Condenada a pintar Vieux Chaine em papel Craft com uma trincha de pintar paredes.

19 de set. de 2011

Olha que não é bem assim.

Chega então aqueles dias de incompatibilidades anuais, por azar ou por mero acaso.
Aqueles dias esquisitos em que te levantas cedo e de tarde pensas que o que viveste de manhã se passou no dia anterior.
Tens que repor horários, dizem-te, mas tu não lhes ligas.
Estás mais preocupado que agora haja o novo acordo ortográfico e que em vez de escrever "óptimo" escrevas "otimo", sem "p" e sem acento algum, e o mais engraçado é que é logo no ano em que tens de fazer exame de Português "How fucking great." dizes várias vezes para dentro, ou até "Bela merda." ou "Mas que grande cocozisse." Porque realmente, é tudo e mais alguma coisa.
São coisas assim, é a vida. Quando a vida pensa que finalmente vais ser feliz, mesmo que nem lá perto estejas, faz-te cair alguma merda em cima.
 Ora, escrever como os Brasileiros. E o mais engraçados e que os proprios dos Brasileiros também não estão felizes com isto. Provavelmente também pensam "Ora, escrever como os Portugueses."
É que estamos mesmo todos contra.
"Stora, mas os ministros estavam sóbrios quando fizeram esse acordo?" Risos.
Se estavam sóbrios não sabes, mas lá que foi algo muito parvo foi, sim, ah e tal porque eles são mais que nós.
E então? Não fomos nós que povoámos aquela terra?
 Mas olha, podia ser pior, sê Português da melhor forma que sabes, engole o sapo e continua em frente.
O problema há-de resolver-se sozinho, ou então alguém há-de resolvê-lo por ti.
Não foi sempre assim que fizemos?

16 de set. de 2011

Cegueira com Cheiro a Rosas

Olha para nós depois de todo este tempo, até podemos estar na pior das condições, podemos sentir a pior das dores, mas continuamos cegos.
Como se nos vendassem os olhos com rosas encarnadas e suaves que não queremos tirar, porque parece tudo tão perfeito, parece tudo de extremos, com contracurvas deliciosas e cheiros adocicados.
Quando dói, dói mesmo, mas quando sabe bem, sabe mesmo bem, como nunca soube.
E mesmo que o coração bata na mesma antiga, acelerada e aborrecida velocidade, é sempre cada vez melhor e faz-nos querer sempre mais.

13 de set. de 2011

Ave Rara

Sabes aquela rapariga imaculada, com o cabelo perfeitamente entrançado e cara de santinha? Aquela que avistas todos os dias na rua, e olha-la com fascínio, como se ela se tratasse de uma ave rara?
Sabes aquele sinal de transito onde ela pára sempre e rói as unhas discretamente, como se estivesse a cometer um crime ao fazê-lo, claro que sabes, não consegues evitar segui-la e despi-la com os olhos.
Até já a seguiste, com esperança que o destino vos cruzasse, mas ele nunca foi assim tão generoso, não é?
O que é que te atrai nela? Porque é que ela te fascina?
Tantas perguntas e nenhuma resposta.

12 de set. de 2011

Tão teu

Gostava de te compreender, de te desenterrar cada fascínio e estudá-lo minuciosamente.
De saber como funciona a tua maneira de pensar e de descobrir o senso-comum que tens tão único e teu.
Gostava de ver através desses teus olhos que me fascinam e ver como é o teu mundo.
O teu mundo, é isso. Gostava de entrar nesse teu mundo sem tua permissão, de o virar do avesso contra a tua vontade e colocá-lo todo no devido lugar outra vez, deixando marcas que não consegues apagar.
Só para que soubesses que depois da tempestade vem a bonança.
Até te fazia promessas, mas não gosto de prometer coisas que não tenho a certeza que posso cumprir, por isso fica aqui a ideia de um mundo nosso, pode ser que um dia viremos ambos do avesso os mundos um do outro.
Mas sempre disse, quanto menos expectativas menos desilusões, portanto, deixemos que o tempo o dite.

É como tu.

A Lua faz as pessoas sentirem-se bonitas.
É como se as enfeitiçasse com a sua pompa e todo o seu misticismo, torna-as em pessoas diferentes.
Bonitas mas com emoções demasiado fortes e instáveis.
É a noite dos loucos, loucos que se estão a rir e no segundo a seguir estão a chorar ou apenas sérios.
Faz lembrar quando se bebe demasiada sangria, só por beber.
Mas a Lua é mais generosa, ela seduz pelos olhos e apodera-se dos sentidos.
Faz-me lembrar alguém.

8 de set. de 2011

Sorriso impresso.


Gosto de ler as tuas palavras devagar, e muitas vezes guardo-as para reviver a conversa mais tarde.
É como ter um sorriso de reserva, reler o que me fez sorrir, letra por letra, virgula por virgula e ponto por ponto.

7 de set. de 2011

Momento de raiva

És tão triste, mas tão triste que tentas competir comigo pela sua atenção.
Amiga, podes falar o quanto quiseres, podes até rir-te com ele, mas nada disso vai superar o que temos.
Porque não é a falares por cima de mim que te mostras superior, isso só demonstra o quão mentalmente menor és.
Lá no fundo achas que ganhas só por aparecer, por fazeres vistão, mas amiga, saias curtas e excesso de maquilhagem resultam em falta de auto-estima. Porque se a tivesses aos molhos não andavas sempre como andas, super produzida, e não andavas sempre com a necessidade de lançar piadas secas pelo ar.
Acorda. Sinceramente, e:

6 de set. de 2011

Gelado

Lembras-te daquela sensação que tinhas quando eras uma criança, em que olhavas para o céu e imaginavas como as nuvens tinham enclausuradas sensações de algodão doce e sonhos realizados?
É essa a sensação, sabe a céu.

4 de set. de 2011

Le Coeur

- Este é o meu coração, toma. Mas tem cuidado, porque me foi emprestado, quando o devolveres, se o devolveres, preciso que esteja intacto.

1 de set. de 2011

Fora de época.

Escuro e húmido, é assim que sentes o ambiente, o céu, e parece que foi um vulcão que entrou em erupção.
No entanto, chove tudo menos cinzas, é uma chuva miudinha, que não dá para ver e só se sente um tempo depois quando a pele já está encharcada e a roupa esquisita da humidade.
E cheira a queimado, do carvão a crepitar nas lareiras ou apenas alguém que decidiu fazer um churrasco molhado.
Não sei se é melhor esta chuva miudinha ou aquela que chove farta, com pingas grandes de tanta humidade agrupada, que caiem no chão e fazem barulho, e que vêm sempre acompanhadas com vento, que ruge pelas ruas como se de implacável animal se tratasse, que vira chapéus-de-chuva ao avesso, arranha as janelas com rispidez e que bate as portas rudemente.
E os anunciados trovões ainda não marcaram presença.
Resta-nos ficar no conforto do nosso lar, aguardando que o sol volte.