Junho, o calor começava a ser mais frequente no dia a dia, finalmente o frio primaveril começava a evaporar-se e ela podia sentar-se no alpendre na cadeira de baloiço que chegava a congelar no inverno.
Era pacifico, e a brisa, que começava a ser quente beijava-lhe o pescoço nu, tinha um envelope entre os dedos, acariciou o papel e descolou a tira que o selava. Era de Martim, já não o via haviam três ou quatro voltas de lua, pensava que nunca mais o veria, pela forma como as coisas tinham sido deixadas.
Tinha sido uma amizade com uma interrupção algo brusca e inexplicável, mas talvez isso não tivesse significado o fim para eles.
Puxou o papel que estava dentro do envelope, era mais uma espécie de cartão do que um papel na verdade, tinha as pontas a imitar pergaminho e havia laivos dourados aqui e ali, um pouco á antiga, muito ao estilo de Martim.
Leu-o devagar, consumindo as palavras como se quisesse ler aquilo para sempre, eram escritas á máquina
e notava-se que tinham sido impressos vários cartões pelo mesmo modelo, as letras convidavam-na para assistir a um musical. Provavelmente não seria nada de especial, como nunca era na realidade, mas atrás do cartão, onde não havia sinal de ter sido produzido por máquinas, havia um "Aparece, por favor" e a rubrica de Martim sussurrada por baixo.
Era Martim, e apesar de não o ver há muito não podia deixar de comparecer, não o queria desiludir apesar de todo o sucedido, a carta tinha vindo atrasada, o musical tinha data para o dia a seguir, pôs o papel de lado e desfrutou do resto da tarde no alpendre a ser acariciada pela brisa.
No dia seguinte, já o sol se começava a extinguir quando se começou a arranjar para ir ver o seu amigo actuar, vestiu algo simples mas sofisticado, afinal era um musical, haveria lá algures mulheres de alta classe nos seus vestidos pomposos, e sabia que Martim estava a subir na sua carreira performativa e cada vez mais pessoas o procuravam para se entreterem ao ouvi-lo cantar e vê-lo executar as coreografias dramáticas tão típicas dos musicais. Vestiu um vestido vermelho de verão, leve e confortável e pintou os lábios a condizer, pesou se faria ou não uma trança, mas decidiu levar o cabelo solto numa cascata acobreada.
Pegou no convite, lançando-o para dentro da mala, entrou no carro e ligou a ignição fazendo o carro ronronar por baixo dela, conduziu devagar para poder perder-se em devaneios com mais segurança, quando deu por si já estava quase no teatro onde seria o espectáculo, estacionou e saiu a cambalear um pouco por estar a ficar atrasada, á entrada, quando disse o seu nome ao moço da lista de convidados, este fez um ar de reconhecimento e fez o seu colega guiá-la até ao seu lugar, Que bem, agora até têm lugares marcados para os convidados, o Martim anda mesmo a ficar alguém importante, pensou Diana. O rapaz guiou-a até uma das cabines suspensas que tinham porta para a privacidade e tudo.
-Espero que aprecie o espectáculo, Madame. - disse o rapaz com cortesia.
Mas ela estava sozinha, não precisaria daquilo, tentou dizer ao rapaz, mas então ele já tinha desaparecido atrás dela.
Acomodou-se no lugar que lhe tinha sido concedido e esperou o inicio do espectáculo.
Martim era dos personagens principais, o musical falava de uma historia de romance entre dois jovens que no final morriam literalmente de amores um pelo outro, mas, ao contrário de Romeu e Julieta, estes morriam assassinados por um fora da lei. A história não era das melhores, mas a produção estava boa, muito melhor do que a ultima que se lembrava de ver com Martim a actuar. Quando acabou houve uma enorme salva de palmas, até rosas atiraram ao palco e aclamavam o nome dos personagens, por essa altura Diana levantou-se e virou costas ao palco, saindo pela porta da cabine e dirigindo-se para fora do teatro, queria muito falar com Martim, abraçá-lo e felicitá-lo pelo sucesso, mas a ideia aterrorizava-a, por isso apressou o passo até chegar ao seu carro, estava a pôr a chave na ranhura quando ouviu o seu nome ser chamado do outro lado da estrada.
Era Martim, ainda com a roupa da peça, uma camisa branca e larga enfiada dentro de calças pretas, os seus pés estavam descalços, tal teria sido a pressa com que teria deixado o teatro à sua procura. Diana congelou, ficou imóvel a olhá-lo, meio em pânico, meio em êxtase. Ele atravessou a estrada a correr, com os seus caracóis castanhos a saltitar com os seus passos até chegar a ela, parou imóvel à sua frente e por momentos fitou-a triste, lembrando-se de todas as coisas terríveis que tinham dito um ao outro.
-Vieste. - Disse por fim, e um enorme sorriso rasgou-lhe os lábios ao mesmo tempo que se precipitava num grande abraço.
Ela envolveu-o também e sentiu os olhos quentes e húmidos de lágrimas.
-Claro que vim, és o meu melhor amigo.
mesmo fofo pêra
ResponderExcluirPÊRA NOSTÁLGICA
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